KARATE: A ARTE DE TRANSFORMAR VIDAS
KARATE: A ARTE DE TRANSFORMAR VIDAS Pdf Print Email
Escrito por renatofrossard
Sáb, 06 de Setembro de 2008
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Para conhecermos os amigos é necessário passar pelo sucesso e pela desgraça. No sucesso, verificamos a quantidade e, na desgraça, a qualidade...
(Confúcio)
PREFÁCIO
Karate, uma arte marcial milenar com adeptos em quase todos os confins do mundo, centenas de milhares de atletas, professores e mestres espalhados por todo o globo, um número sem fim de praticantes e simpatizantes, promete tornar-se, em breve, uma das modalidades olímpicas, e o número de praticantes aumenta a cada dia. Apesar disto, pouca coisa digna de nota foi escrita a respeito do Karate até nossos dias. De fato, existe uma grande quantidade de materia em cuja capa encontra-se impresso o nome Karate, mas que em seu interior encontra-se um conteúdo de origem duvidosa, sensacionalista e que, na maioria das vezes, não tem nada a ver com o verdadeiro Karate, sua história, sua filosofia e objetivos.
Impulsionado por este fato e pelo meu desejo de relatar as experiências vividas em cerca de 20 anos de prática do Karate, decidi empenhar-me na difícil tarefa de escrever um livro. Estou conciente do desafio que isto representa, mas acho que vale a pena me dedicar a este trabalho, uma vez que esta será uma forma de fazer por esta maravilhosa arte um pouco em gratidão a tudo que ela tem feito por mim durante toda a minha vida.
Neste livro, procurarei contar sobre o incrível poder transformador de vidas contido na prática do Karate, a prática que vai muito além de um mero exercício físico, as amizades construidas através da arte, as lições recebidas de vários mestres, o apoio recebido nas horas difíceis, e tantos outros eventos que me levaram a tornar-me hoje uma pessoa bem sucedida e realizada.
Assim, espero que todos aqueles que desejam ter nas mãos um trabalho sério, não sensacionalista e que não seja do tipo "aprenda Karate sem mestre" possam se beneficiar da leitura deste livro, e possam compreender um pouco mais a respeito desta Arte Marcial, arte de transformar vidas!!!
CAPÍTULO I
BREVE RELATO: Como Tudo Começou
Nasci em uma cidadizinha do interior de Minas Gerais e cresci em outra cidade, igualmente pequena no mesmo estado. Meus pais tiveram problemas em seu casamento, e por isso eu cresci em um ambiente tumultuado e violento, apanhando quase todos os dias de meus irmãos mais velhos. No entanto, sempre me dediquei de forma exemplar aos estudos, o que me tornou uma pessoa consciente e crítica e me levou a buscar uma solução para meus problemas. Sabia que precisava aprender a me defender, de forma a sobreviver às agressões que sofria diariamente, e poder prosseguir em meus estudos e em minha vida pessoal. Além disto, eu precisava encontrar uma razão, um sentido para minha existência, até então completamente vazia e sem perspectiva de mudança.
O Karate, ou a idéia que se tinha deste, sempre esteve presente na mídia e nos meios televisivos. Nas telas dos cinemas, o herói sempre surgia dando incríveis golpes nos adversários e destruindo a todos sem medo e sem piedade. Alguns até chegavam ao extremo de arrancar órgãos internos com a introdução de um Nukite no estômago do inimigo. Tudo extremamente exagerado e sangrento, mas para um jovem adolescente, aquilo era certamente algo atraente, uma vez que significava a promessa de libertação das surras e de muitos outros problemas. Assim, resolvi procurar uma academia e iniciei meu aprendizado do Karate, por volta dos doze anos de idade.
É evidente que logo percebi a diferença enorme entre as telas de cinema e o mundo real, mas a verdade é que o Karate me deu auto-confiança e tornou-me uma pessoa mais forte. As surras cessaram, já que eu havia aprendido a me defender, e também porque todos acreditavam que eu já não era a mesma pessoa fraca e subjulgável de antes. Com o passar dos anos, a prática do Karate foi naturalmente evoluindo de uma forma de fugir de agressões para um modo de vida, um hábito saudável, um esporte, uma atividade física, uma filosofia, um aprendizado, uma humanização, etc. Passei a compreender que o Karate, embora passasse longe de ser aquilo que os filmes mostravam, era sim uma prática capaz de transformar vidas, devolver a esperança àqueles que a perderam, criar laços duradouros de amizade e apontar caminhos alternativos de vida.
Hoje, 25 anos depois, posso olhar pra traz e perceber o quanto eu devo ao Karate e a todos os meus mestres que me legaram esta maravilhosa arte. Sinto uma imensa responsabilidade agora de transmitir estes conhecimentos recebidos durante tantos anos àqueles que desejem aprender e colocar em prática em sua vida. Não se trata de um conhecimento marcial apenas, não se trata de nenhuma religião ou magia, mesmo porque, durante todo o tempo da prática do Karate eu jamais me esqueci de Deus, nem jamais coloquei o Karate no lugar Dele. O Karate é algo que só pode ser compreendido por aqueles que o praticam com o coração aberto e por tempo suficiente para que os efeitos se façam sentir em sua vida. Aqueles que chegam a este estágio, praticarão o Karate como se nunca o houvessem praticado, como se a cada vez fosse a primeira, ouvindo as palavras do mestre como se nada soubessem e crescendo a cada dia, tornando-se melhores, mas mantendo a humildade como se fossem crianças aprendendo a dar os primeiros passos.
CAPÍTULO II
MESTRES E AMIGOS
SHIHAN AKIO YOKOYAMA
Pioneiro do estilo Kenyu-Ryu no Brasil
Shihan Akio Yokoyama veio para o Brasil no ano de 1965, com o objetivo de divulgar o estilo Kenyu-Ryu de Karate. Nesta época, através de demonstrações, exibições públicas, divulgações, promoção de competições, entre outros eventos, Yokoyama conseguiu estabelecer uma grande rede de praticantes de Karate em todo o Brasil, mais especificamente no estado de Minas Gerais, onde se fixou. Seu trabalho granjeou muitos adeptos ao Karate, além de lhe dar muitos alunos e associados.
MATIAS ALBERTO OLGUIN
Meu primeiro mestre
Meu primeiro professor de Karate e ex aluno de Shihan Yokoyama, o Argentino naturalizado brasileiro, Sensei Matias Olguin foi uma personalidade incrível. Sensei Matias Ensinava Karate em Ipatinga, cidade de sua residência, e também na cidade de Coronel Fabriciano, ambas cidades mineiras. Por notar mimha dedicação aos treinos, Sensei Matias concedeu-me a honra de tornar-me aluno bolsista em seu Dojo, o que veio a solucionar outro problema que eu enfrentava: a falta de recursos financeiros para custear meus treinamentos. Por esta razão, devo a ele grande parte de meu aprendizado e de meu sucesso no Karate.
JÚLIO GUILHEME OLGUIN
Um Verdadeiro Guerreiro
Após alguns anos treinando com o Sensei Matias, passei a treinar com seu filho e sucessor direto, Sensei Julio Olguin. Foi Sensei Júlio quem realmente me ensinou a essência do Karate. Ele me ajudou a perceber as nuâncias existentes nos movimentos, os pequenos detalhes que fazem a diferença no momento de combate. Sensei Júlio também me ensinou muitas coisas relativas à vida em sociedade e relativas à boa formação do caráter. Ele sempre foi uma pessoa amiga e encorajadora. Graças à sua dedicação como professor e ao seu empreendedorismo, fui capaz de continuar treinando até chegar à Shodan (Faixa Preta) em 1993. De fato, Sensei Júlio não desanimou diante das imensas dificuldade para estabelecer o Karate em sua região. Enfrentou a falta de recursos financeiros, a falta de apoio ao esporte na região do Vale do Aço, Buscou incentivos quando estes não existiam, conseguiu patrocínios e parcerias quando estas pareciam impossíveis e improváveis. Através de seu trabalho, o segundo Sensei Olguim mostrou ser tão grande quanto o primeiro, e revelou-se um verdadeiro guerreiro. Sensei Julio hoje é professor de Karate e Educação Física em Ipatinga, e continua treinando jovens e crianças nos caminhos do Karate, além de preparar atletas de todas as idades para a participação em competições na modalidade Shiai Kumite (luta competitiva) e Kata (forma), onde sempre conquistam muitas medalhas. Sensei Júlio, ele mesmo, também foi um grande competidor e conquistou vários títulos no importantes no Karate.
SENSEI NEWETON ADAS
Grande mestre e amigo
Início da maturidade - mudança de estilo
Em 1995 mudei-me definitivamente para Belo Horizonte, com o objetivo de conseguir trabalho. Após chegar à capital mineira, e conseguir trabalho em uma rede de fastfood, decidi retomar os treinos no Karate. Naquela época, Shihan Yokoyama ainda ensinava Karate nesta cidade e eu treinei com ele por alguns anos.
Devido a dificuldades financeiras, não pude continuar treinando na escola de Akyo, a Tenri Dojo. Após ficar algum tempo sem treinar, senti a necessidade de me filiar, novamente, a uma escola de Karate. Mas onde encontrar um professor à altura de Shihan Yokoyama?
Certo dia, ao caminhar pelas ruas do centro de BH, encontrei-me com o Presidente da FMK, Sensei João Carlos de Godoi, Faixa Preta 5º Dan. Cumprimentei-o, e disse que era aluno de Sensei Júlio. Ele deu-me seu cartão e sugeriu que eu visitasse a sede da federação. Naquele mesmo dia, resolvi aceitar o convite e fui até a FMK. Durante a visita, tive a honra de conhecer melhor as pessoas responsáveis pelo funcionamento da Federação Mineira de Karate e pela administração de todos os eventos oficiais do esporte em todo o estado de Minas Gerais. Durante a visita, recebi outro convite que trouxe uma grande mudança em minha vida e trouxe novas perspectivas, até então inimaginadas.
Como já mencionei, enfrentava dificuldades financeiras e por isto não podia pagar uma academia para treinar. Na ocasião em que fui até a federação, reencontrei o Sensei Neweton Adas, que eu havia conhecido a muitos anos atrás, mas com o qual eu não tinha um relacionamento próximo. Em conversa informal com Sensei Neweton, fui convidado para treinar em sua academia como aluno bolsista. Aceitei com muita alegria o convite e compareci no dia seguinte à academia de Sensei Neweton. Fiquei impressionado com a dedicação e com a sabedoria daquele professor, que demonstrava preocupar-se com seus alunos, não apenas superficialmente, mas de forma completa, comprometendo-se com a formação física, moral e intelectual destes. De fato, Sensei Neweton Adas sempre demonstrou preocupar-se com o bem estar dos aluno tanto dentro, quanto fora da academia, e foi Sensei Adas quem me ajudou a reerguer-me profissionalmente e a reencontrar meu caminho rumo à realização pessoal tanto em relação ao Karate, com a conquista de medalhas até então inéditas para mim, quanto em relação aos meus estudos e trabalho. Com efeito, após conhecer Sensei Adas, conquistei vários títulos no esporte, estabeleci-me como professor de Karate, e finalmente criei coragem para submeter-me ao vestibular na UFMG, onde graduei-me em Letras em 2006, e onde estudo até hoje.
Fiquei tão impressionado com os treinos e com todas as coisas novas que estava aprendendo sobre o Karate que decidi mudar o meu estilo de Karate para o Estilo de Sensei Adas, o Goju-Ryu do mestre Shogun Miyagy. Já completamente "convertido" ao novo estilo, conquistei o grau de NIDAN em 2002 e o grau de SANDAN em 2007. Hoje, estabelecido profissionalmente, sinto que tenho uma dívida enorme para com o Karate e para com todas estas pessoas fantásticas que Deus colocou em meu caminho e que me mostraram que era possível mudar a direção de minha vida e que eu podia realizar coisas incríveis se eu acreditasse nisto. Por isso eu compreendo que o Karate é muito mais que uma arte marcial, muito mais que um esporte, e que não se trata de uma combinação de movimentos. Acima de tudo, o Karate é um ambiente de convívio social e uma escola de disciplina, respeito e dedicação à construção do caráter.
CAPÍTULO III
O KARATE: História e Evolução
Muitas lendas circundam a origem do karate e muitas estórias são contadas a respeito de seu surgimento na tentativa de explicar como a arte marcial se formou, desenvolveu e perpetuou ao longo dos séculos. Muitas destas estórias são carregadas de mistérios e de explicações fantásticas. Muitas destas buscam explicar o karate com base em fatos sobrenaturais e até mesmo mágicos. No entanto, a explicação mais aceita e mais plausível, envolve apenas eventos comuns e perfeitamente aceitáveis do ponto de vista do mundo físico e palpável.
Conta-se que Darhuma, um monge indiano, em certo momento de sua vida, decidiu abandonar os confortos da vida principesca e tornou-se um peregrino a andar pelo mundo. Em suas andanças, chegou ao templo de Shaolin onde pretendia ser aceito como discípulo, mas não foi aceito. Assim, segundo a lenda, Darhuma colocou-se em posição de Zarei e meditou por nove anos ininterruptos em frente ao mosteiro. Vendo sua dedicação e persistência, o mestre daquele templo implorou que Darhuma se tornasse seu mestre.
Ao ensinar as duras técnicas da meditação Zen, Darhuma notou que seus discípulos não podiam suportar as duras e longas horas de treinamento, e muitas vezes caiam no sono. Por ter sido um príncipe, o monge havia aprendido uma técnica de luta conhecida como Vajaramushti, que traduzido quer dizer: aquele cujo punho fechado é um diamante. Darhuma decidiu ensinar tal técnica aos seus discípulos como forma de fortalecer-lhes o físico a fim de que pudessem ter melhor desempenho na prática espiritual da meditação. Os discípulos, por sua vez, não só se tornaram fortes para a prática Zen, mas também se tornaram grandes lutadores, ganhando notoriedade e espalhando a fama dos lutadores de Shaolin por toda aquela região.
Por ter se tornado importante e poderoso na China, o templo Shaolin atraiu o ódio de inimigos daquele país. Certa vez, bandidos envenenaram a água do templo, levando muitos monges à morte e forçando outros a fugir para salvar suas vidas. Estes sobreviventes fugiram para diversas partes do continente, ensinando sua arte marcial nos lugares por onde passavam. Isto explicaria a origem da maioria das artes marciais Sino-Japonesas.
No arquipélago de Ryu-kyu existe uma pequena ilha chamada Okinawa. Embora seja, hoje, integrada ao Japão, a ilha já foi um país independente. Como eram proibidos de usar armas ou aprender qualquer forma de luta para se defender de bandidos ou agressores, os nativos daquela ilha praticavam, em segredo, uma arte marcial conhecida como “Te” ou “Okinawa-Te”. Com a influência recebida da arte dos monges de Shaolin, o Okinawa-Te se complementou e se desenvolveu, passando, mais tarde, a ser chamado de Karate- do.
Antes de receber este nome, porém, o Karate passou por diversas fases. Porque o Okinawa-te se desenvolveu de forma mais intensa nas cidades de Shuri, Naha, e Tomari (importantes cidades de Okinawa) e porque, em cada uma delas, os estilos praticados diferiam essencialmente, cada cidade deu um nome próprio ao seu estilo. Assim, tinha-se o Shuri-te na cidade de Shuri, o Naha-te em Naha e o Tomari-te em Tomari. Todos os estilos tinham em comum a terminação “te”, significando mão ou punho. Era comum nomear os estilos de luta como “punho” de alguma coisa. Por exemplo, nas artes marciais chinesas era comum nomear os estilos como “punho do tigre”, “punho do dragão”, etc. Assim, seguindo a influência chinesa, os estilos eram denominados de “punho” ou “mão” da cidade onde se originaram, ou seja, Punho de Shuri, Punho de Naha e Punho de Tomari.
O Shuri-te era um estilo bastante explosivo e rápido. Sokon Matsumura (1809-1901), aluno do mestre Sakugawa, foi um dos grandes mestres desta escola. Também Seisho Tsuji (1840-1920) foi importante mestre deste estilo. Já o Naha-te enfatisava os exercícios de força e respiração e era um estilo mais suave do que o Shuri-te. Neste estilo, maior importância era dada ao fortalecimento físico através do controle da força e da respiração. Seu mais importante mestre foi Kanryo Higashionna (1853-1915). Finalmente, o Tomari-te era um estilo intermediário, bastante parecido com o Shuri-te, porém praticado por um pequeno grupo de pessoas, em sua maioria militares da cidade de Tomari. Seus principais mestres forma Kosaku Matsumora (1829-1899), Choki Motobu (1871-1945) e Kokan Oyadamari.
ESCOLAS MODERNAS E SEUS MESTRES
SHORIN-RYU
A partir de meados do século XIX, cada mestre passou a dar um nome à sua escola ou estilo. O estilo Shuri-te uniu-se ao Tomari-te para formar o Shorin Ryu. Shorin é a pronúncia japonesa de Shaolin, indicando a influência recebida da arte chinesa. Este estilo, primeiramente, dividiu-se em três outros estilos chamados Kobayashi-Ryu, Shobayashi-Ryu e Matsubayashi-Ryu. Alguns dos mais conhecidos mestres desta escola foram: Chosin Chibana (1885-1969), que continuou a linha de Shorin-Ryu do mestre Itosu chamando-a Kobayashi-Ryu (Shorin-Ryu), Katsuya Miyahira que, após a morte do mestre Chibana, liderou o Shorin-Ryu Shido-kan e Shugoro Nakazato (1921-), fundador do Shorin-Ryu Shorin-kan.
SHOTOKAN
Gichin Funakoshi (1868-1957), aluno dos mestres Azato e Itosu e também do mestre Matsumura e outros mestres, é um dos principais responsáveis pela difusão do karate-do no Japão. Embora a princípio não quisesse dar um nome específico ao seu estilo, este ficou conhecido como Shotokan, um dos estilos mais difundidos hoje em dia. Para se ter uma idéia de sua popularidade, é comum quando alguém pratica este estilo, ao invés de dizer que pratica karate, dizer que pratica Shotokan. Entre os principais alunos de Funakoshi destacaram-se Shigeru Egami (1912-1981, Shotokai), Masatoshi Nakayama (1913-1987, NKK), Hidetaka Nishiyama (1928-, ITKF) e Hirokazu Kanazawa (1931-, SKIF).
SHITO-RYU
Kenwa Mabuni (1889-1952), um dos melhores alunos do mestre Itosu, foi também aluno do mestres Higashionna e Miyagui do Naha-te . Mudou-se para o Japão para ensinar Karate-do do estilo que primeiramente chamou Itosu-Kay até que em 1937 criou o estilo Shito-Ryu , que combina aspectos do Shuri-te e do Naha-te. O nome do seu estilo deriva dos caracteres dos nomes dos seus dois mestres Itosu e Higashionna. A terminação (ryu) comum a muitos estilos significa escola ou estilo. Após a sua morte, seu filho Kenei herdou o Shito-Ryu e seu aluno Ryusho Sakagami continuou o Itosu-Kai Shito-Ryu.
ISSHIN-RYU
Tatsuo Shimabuku, aluno dos mestres C. Kyan, Miyagui (Goju-Ryu) e de Choki Motobu, foi o fundador do estilo Isshin-Ryu que combina Shuri-te e Naha-te. Seu irmão Eizo Shimabuku continuou a linha Shobayashi-Ryu de Shorin-Ryu que se expandiu bastante nos Estados Unidos a través dos marinheiros das bases navais em Okinawa.
SHUDOKAN
Fundado pelo mestre Kanken Toyama (Oyadameri Kanken) (1888-1966). Toyama iniciou seu aprendizado com o mestre Itarashiki (Okinawa-te) e depois foi discípulo do mestre Itosu. Também treinou com os mestres AnKichi Aragaki, Anko Azato, Choshin Chibana, Kentsu Yabu, Oshiro e Tana. Também foi aluno do mestre Higashionna (Naha-te).
GOJU-RYU
Chojun Miyagui (1888-1953): foi o mais importante e provavelmente o mais conhecido discípulo do mestre Higashionna. O mestre Miyagui abrigou o mestre Higashionna na sua casa, quando este estava idoso, e continuou a escola quando ele morreu. Também viajou à China várias vezes, seguindo os passos do seu mestre. Em 1929 (na época em que a maioria dos mestres estavam dando os nomes aos seus estilos) o mestre Miyagui decidiu chamar o seu estilo de Goju-Ryu, nome que explica a característica de combinar o duro (Go) com o suave (Ju), força e flexibilidade. Assim, este estilo enfatiza os exercícios de respiração e combina movimentos fortes e rápidos com movimentos suaves e lentos. Miyagui foi um dos primeiros mestres a criar um sistema de ensino para o Karate-do.
O KARATE-DO NO JAPÃO
O Karate somente foi introduzido no Japão na década de 1920, tendo sofrido algumas mudanças, para que pudesse ser aceito como uma arte essencialmente japonesa. Em outras palavras, por ter sido de domínio da China durante muito tempo, Okinawa recebeu forte influência deste país, que era considerado inimigo dos japoneses. Assim, o nome Okinawa-te, por ter recebido influência chinesa, era escrito em caracteres chineses que literalmente significavam “mãos-chinesas”. Quando a ilha foi definitivamente incorporada ao Japão, e o Okinawa-te foi apresentado oficialmente neste país, alterou-se então o ideograma chinês, para o ideograma japonês significando “mãos vazias”. Além disso, foram introduzidos os tradicionais kimonos e graduações de Kyus (faixas coloridas, da branca até a marrom) e Dans (do 1º ao 10º grau para os faixas-pretas), adaptados do judô. Finalmente, foi estabelecido um sistema formal de ensino para o karate, englobando os treinos de kihon, kata e kumite, o qual prevalece até os dias atuais. Em 1933, o Dai Nippon Butokukai, órgão japonês encarregado das artes marciais, reconheceu oficialmente o Karate-do como uma de suas modalidades.
Posteriormente à introdução do Karate no Japão, outros estilos foram criados, alguns dos quais se tornaram bastante difundidos no mundo todo.
Hironori Ohtsuka (1892-1982), primeiro japonês (não okinawense) a criar um estilo de Karate-do, fundou o Wado-Ryu, em 1931. O mestre Ohtsuka (1892-1982) era praticante avançado de Ju-jutsu e aprendeu Karate-do com o mestre Funakoshi, quando este o introduziu no Japão e posteriormente com o Mestre K. Mabuni.
Gogen Yamaguchi (1909-1989) aprendeu Goju-Ryu com com Jitsuei Yogi e com o mestre Miyagui, quando este visitou o Japão central. Foi o criador da linha Goju-Kai no Japão.
Matsutatsu Oyama (1924-1994), nasceu na Coréia e seu verdadeiro nome era Hyung Yee. Quando criança, no seu país natal, aprendeu Chabee (uma combinação coreana de Ju-jutsu e Kempo). Depois, aprendeu Karate-do Shotokan no Japão mas buscou novas formas de treinamento e de luta criando em 1961 o Kyokushin-Kai . Também teve a oportunidade de aprender e intercambiar técnicas com Gogen Yamaguchi e outros mestres de Karate-do e Kung-fu . Oyama ficou famoso por, supostamente, conseguir derrubar touros com apenas um golpe de seus punhos. Seu estilo enfatiza o contato físico e a prática de atemi (quebramentos).
Nos dias atuais, são quatro os estilos reconhecidos pela WKF, Federação Mundial de Karate (World Karate Federation): Shotokan, Goju-Ryu, Wado-Ryu e Shorin-Ryu. Ao reconhecer somente os quatro estilos principais, a WKF não pretende desrespeitar ou ignorar o trabalho realizado por outros mestres. Tal reconhecimento se deve ao fato de serem estes quatro estilos os que apresentam diferenças mais perceptíveis entre si, e ao fato de a maioria dos outros estilos terem se originado da mistura destes, ou de derivações de outros estilos, já derivados destes quatro.
No entanto, como o costume de cada mestre de nomear sua própria escola não parou após a criação dos quatro estilos reconhecidos, existe uma grande variedade de estilos, com um grande número de praticantes em todo o mundo. Assim, uma vez que estes estilos geralmente apresentam mais semelhanças do que diferenças, a federação não impede que seus praticantes participem das competições oficiais, desde que suas escolas sejam filiadas aos órgãos administrativos do esporte em seus respectivos países, e desde que sejam seguidas, à risca, as regras definidas pela WKF para as disputas de kata (demonstração) e kumite (luta).
CAPÍTULO IV
O KARATE EM FASES
FAIXA BRANCA
O início no Karate é algo muito excitante para o estudante. Geralmente o aluno está cheio de expectativas e não sabe muito bem o que esperar pela frente. Muitas vezes, ele chega com alguma idéia preconcebida a respeito do Karate e cultiva pensamentos dos mais variados sobre a arte. Muitos estudantes pensam, por exemplo, que logo serão capazes de quebrar tábuas e tijolos, que serão capazes de executar saltos mirabolantes e acrobacias fantásticas, que adquirirão força para destruir dezenas de adversários de uma só vez e se tornarão invencíveis. Muitos até mesmo imaginam que serão capazes de desarmar um oponente. Bem, a maioria destas coisas está bem longe de ser verdade, pelo menos na maioria dos estilos de Karate. Quebrar tábuas e tijolos pode até ser uma forma de treinamento em algumas escolas, mas não é o objetivo maior do Karate. Acrobacias e saltos também podem estar presentes, mas não são usados pela maior parte dos professores e mestres em suas aulas. Finalmente, poucos professores encorajariam um estudante a tentar desarmar alguém que portasse uma arma de fogo, a não ser que não houvesse nenhuma outra esperança de solução para o impasse. Todas estas pré-concepções trazidas pelo principiante que perceberá, pouco a pouco, que "as coisas não são bem assim" fazem com que esta fase do aprendizado seja uma das mais delicadas.
Como fazer para que o aluno continue entusiasmado, apesar de descobrir que a maioria de suas idéias sobre o Karate eram equivocadas? Ou melhor, como mostrar a ele que estas pré-concepções não passam de folclore, de lendas, mas que o Karate tem sim muito a lhe ensinar? Acredito que a resposta para estas perguntas não é muito difícil de ser encontrada. Na verdade, basta que o professor mostre ao aluno o verdadeiro Karate, e o amor
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Em breve...
do aluno por esta verdadeira arte tenderá a crescer cada vez mais.
FAIXA AMARELA
Embora esteja muito próximo do estágio anterior, no segundo estágio, ou faixa amarela na maioria das escolas, o aluno já tem alguma compreensão do Karate como ciência marcial. Nesta fase, o aluno já não pode mais ser considerado uma folha em branco, pois já domina conceitos básicos da arte. O aluno já sabe, por exemplo, a diferença entre um soco ou um chute executado de forma espontânea e um soco ou chute realizado com ciência, como ocorre no Karate. Assim, devemos ter sempre em mente que, a partir da faixa amarela, o aluno deve ser visto como um verdadeiro Karateca, e não mais como um possível candidato às faixas maiores. Na verdade, mesmo na faixa branca o bom professor terá olhos para perceber se o aluno é um bom prospecto para o sucesso na arte pois, ao longo dos anos, o professor desenvolve um certo "olhar clínico" capaz de descobrir novos talentos. Mas, de qualquer forma, o aluno faixa amarela dever ser respeitado pela sua conquista pois, por menor que possa parecer, ela é a mais difícil. Como assim, a mais difícil? Você pode estar se perguntando. O que eu quero dizer é que não é fácil transpor o primeiro momento, onde tudo é novo e estranho, onde termos nunca antes vistos são introduzidos, e onde uma rotina rígida de treinamento e disciplina precisa ser seguida. Portanto, chegar ao nível seguinte, já pode sem dúvida ser considerado uma grande vitória, pois, a partir daí, o aluno já estará ambientado no novo meio, e se sentirá à vontade para aprender qualquer nova técnica ou conceito que venha a ser ensinado.
ATÉ FAIXA VERDE
A partir do segundo nível, até a faixa verde (5º nível), o aluno estará construindo sua base técnica e teórica no Karate. Nesta fase, é importante que o professor preste atenção a detalhes. Um soco mal executado, um chute mal balanceado, todos os pequenos detalhes que passam imperceptíveis aos olhos do leigo, mas que não escapam à percepção do professor, devem ser trabalhados e corrigidos para evitar que estes defeitos cristalizem e ser tornem impossíveis de corrigir mais tarde, quando o aluno já os terá assimilado à sua constituição física e mental. De fato, ao chegar à faixa verde, o aluno deverá estar tecnicamente completo, ou seja, o aluno já deve ser capaz de executar, com perfeição, todas as técnicas básicas do Karate, sem a necessidade de esforço excessivo. Além disso, o aluno faixa verde deve ser capaz de combinar movimentos mais complexos, além de poder participar de combates (shiai kumite) sem grandes dificuldades.
Para o aluno, esta deveria ser uma das fases mais produtivas e prazerosas de seu aprendizado. O aluno deve ser incentivado a aprender e imediatamente colocar em prática aquilo que aprendeu nos treinamentos de Kata e Kumite. Por exemplo, se o aluno aprende a controlar e explosão do golpe e o giro do quadril em um determinado Kihon, ele deve ser encorajado a usar este mesmo controle e giro ao executar o Kata. Se ele aprende uma técnica de esquiva e contra-ataque em outro Kihon, deve ser incentivado a tentar o movimento ao fazer Kumite. Um aprendizado direcionado desta forma fará muito mais sentido para o aluno e, consequentemente, será muito mais prazeroso para ele.
Específicamente para o aluno leitor, devo dizer que ele precisa ter muita humildade nesta fase. Ele precisará compreender que o professor nunca dirá algo buscando diminuir o valor de seu esforço ou ridicularizar sua dedicação ao Karate. Ao contrário, o aluno deve acreditar que o professor quer que ele alcance o máximo de seu potencial e, portanto, exigirá o máximo dele.
O aluno também precisa ser paciente, pois terá que repetir a mesma coisa milhares de vezes de forma a aproximar-se o máximo possível da perfeição. Terá que fazer Kata diversas vezes até que compreenda o sentido do que está fazendo, e a cada vez terá que se esforçar mais para que não fique desmotivado e não perca a vontade de prosseguir treinando. Na verdade, o aluno muitas vezes terá que lutar contra a própria vontade de parar tudo e desistir, pois o treinamento à vezes pode parecer repetitivo e sem sentido. No entanto, ao conquistar sua primeira medalha ou ao ser aprovado em um exame de faixas ou simplesmente ao se sair bem em uma situação real de combate, o aluno compreenderá o porquê de ter tido que treinar tanto e repetir tantas vezes o mesmo movimento.
A paciência, a perseverança e a humildade, são valores essenciais para o karateca. De fato, é impossível aprender Karate sem estas três virtudes. O karateca impaciente eventualmente desistirá de treinar, pois será incapaz de aguardar o tempo necessário para que os efeitos dos treinamentos possam ser sentidos. Se não for perseverante também desistirá, pois achará os esforços necessários muito grandes para que ele os enfrente. Enfim, se não tiver humildade, o karateca tenderá a achar que já sabe o bastante, e mesmo que continue treinando, não renderá o máximo por não levar os ensinamentos do mestre a sério. Chego até a afirmar que, destas três virtudes, a humildade é a mais importante, uma vez que engloba, de certa forma, as outras duas. Aprender uma arte marcial é aprender a ser humilde e a reconhecer que há sempre mais para se aprender. O aluno precisa esvaziar-se de toda soberba ou sentimento de superioriade nos treinamentos, para que possa verdadeiramente tornar-se superior em combate.
DA FAIXA VERDE À MARRON
Ao chegar à faixa verde, o aluno já deverá ter adquirido um conhecimento técnico marcial relativamente alto. Já saberá usar as "armas" de forma satisfatória. Será rapido e vigoroso nos golpes e já compreenderá bem conceitos como hikite ou hikiashi, sem que seja necessário lembrá-lo a todo momento. Esta é a fase em que o aluno deve solidificar seus conhecimentos e adquirir maturidade.
Neste ponto, o aluno poderá estar encantado com o poder que lhe é conferido pelo Karate e pode começar a sentir-se invencível. Por isso, este é o momento em que o professor deve lembrá-lo de que ainda há muito para se aprender e que ele ainda poderá chegar a ser muito mais forte do que ele imagina ser até aquele momento. De qualquer forma, esta é uma fase muito produtiva para o aluno, pois a perícia técnica adquirida nos primeiros anos de treinamento lhe permitem participar de diversos eventos que podem servir de incentivo para que ele continue seus treinamentos e não desista mais.
A partir da faixa verde o aluno poderá seguir diferentes caminhos que definirão seu futuro no Karate. O aluno pode, por exemplo, decidir participar de competições (não quero dizer que ele não possa fazê-lo antes da faixa verde). Então ele terá que começar a se preparar de forma específica para tais eventos, já que estes possuem uma série de regras e comportamentos específicos que deverão ser obedecidos pelo atleta. Assim, o aluno provavelmente precisará dedicar tempo extra aos treinos, uma vez que o professor pode optar por separar o grupo dos alunos que desejam competir do grupo de alunos que não possui tal intenção e realizar um treino especial com os futuros competidores. Mais tarde dedicarei um capítulo inteiro para falar sobre as competições e sua importância para o Karate e sua continuação através dos tempos.
Alguns alunos podem não demonstrar interesse por competições e portanto não devem ser forçados nem discriminados por isto. Estes alunos, porém, devem ser auxiliados a pensar no seu futuro como karatecas, no que pretendem fazer de sua arte. Se não tomarão parte em competições, precisarão de maior encorajamento e de maior força de vontade para continuar a treinar, uma vez que a realização pessoal será sua única recompensa por seus esforços. De qualquer forma, tais alunos podem ser encorajados a tomar parte nas competições, ainda que de forma indireta, torcendo por seus colegas, auxiliando na organização dos eventos, participando como auxiliares da comissão de árbitros, etc. No futuro eles podem vir a participar destes eventos como atletas ou podem tornar-se árbitros. Não devem, entretanto, permanecer completamente isolados das competições pois estas poderão servir de elo entre eles e a arte a que se dedicam.
Em geral, existe uma faixa intermediária após a faixa verde (no estilo Goju Ryu é a faixa roxa) antes que o aluno receba o grau de faixa marron. Esta representa uma continuidade do amadurecimento do aluno e uma espécie de preparação para o último grau que antecede a faixa preta. Muitos alunos dedicam mais tempo a esta faixa pois sentem-se inseguros para subir o próximo degrau. Sentem que ainda não aprenderam o suficiente e que necessitam aperfeiçoar suas habilidades. Durante este tempo, o aluno deve dedicar-se à autoreflexão e treinar de forma intensa para sanar eventuais "imperfeições" que forem identificadas por seu professor.
Ao chegar à faixa marron, o aluno já terá um elevado grau de conhecimento técnico e filosófico de sua arte. Supõe-se que o aluno compreenderá bem o significado de tudo que fez até aí e do que pretende fazer no futuro. A faixa marron, então, será uma espécie de estágio, onde o aluno deverá se preparar para receber o grau de shodan. Durante este período, o aluno deverá participar de cursos de primeiros socorros e de arbitragem, deverá fortalecer seu conhecimento sobre o Karate e sua história, precisará fazer mais do que apenas executar golpes e katas com perfeição. O aluno faixa marron, precisará demonstrar que é digno de receber a faixa preta, através de um conjunto de atitudes e qualidades que precisarão ser demonstradas ao seu professor e à comunidade, bem antes do exame de faixas oficial. O professor que permite que um mal aluno receba tal honra estará se responsabilizando por qualquer dano que ele venha a causar no futuro.
Uma vez que o faixa marron passe por todos estes testes que, pode-se dizer, estendem-se por toda a sua vida de karateca, e pelo teste oficial - Exame de Faixas Pretas - que avaliará suas habilidades e conhecimentos específicos, ele receberá o grau Shodan e, a partir daí, tornar-se-á membro do yundan-sha. O aluno terá alcançado a tão sonhada faixa preta.
Evidentemente fiz estas divisões tendo em consideração uma determinada relação tempo x faixa, que pode variar de um indivíduo para o outro. Em outras palavras, um aluno que permanece 3 anos na mesma faixa, poderá ter um nível de conhecimento e maturidade superior ao de outro aluno que permaneceu apenas 6 meses na mesma graduação e então foi promovido para o próximo nível. No entanto, se o aluno permaneceu muito tempo em uma determinada faixa, mas não correspondeu com a devida dedicação aos treinos, este tempo que ele ficou a mais pode ter sido de pouco proveito para ele. Assim, não estou propondo, através destas reflexões, nenhuma classificação rígida ou diagnóstico preciso de como estará o aluno em determinado grau. É preciso saber diferenciar o "grau" que o aluno usa na cintura do verdadeiro grau em que ele se encontra. Ás vezes pode ser um grau mais elevado, outras pode ser um grau inferior.
O INÍCIO DA COMPREENSÃO
A Faixa Preta (SHODAN): Um Novo Começo
É a partir da faixa preta que o karateca começará seu verdadeiro aprendizado no Karate. Como pode ser isso? Você pode estar se perguntando. E todo o conhecimento que ele adquiriu até então? Não serviu para nada? (...) Com certeza todo o aprendizado construido até este ponto é valioso e sim, serve para muita coisa, mas é apenas o começo, e vou tentar explicar o porquê.
Sabemos que, ao chegar na faixa preta o aluno terá uma grande bagagem de conhecimento, tanto teórico quanto prático. Ele será capaz de fazer coisas que antes não poderia nem imaginar. Será também uma pessoa completamente diferente daquela que era quando entrou pela primeira vez no dojo, como faixa branca. Nem sequer conseguirá se lembrar de toda a insegurança e estranheza que sentiu ao participar do primeiro treino. Terá uma força e um potencial descomunais. Por outro lado, a deste momento, o karateca encontrará uma série de novos desafios.
O primeiro desafio poderá ser decidir se vai continuar treinando ou se vai encerrar sua carreira neste ponto. Não estou dizendo que esta seja uma opção aceitável ou sábia para alguém que dedicou tanto tempo de sua vida ao Karate, mas o fato é que muitos alunos são tentados a abandonar, e muitos efetivamente abandonam, os treinos a partir da faixa preta por não encontrarem mais sentido em treinar. Acreditam que já chegaram ao seu máximo ou sentem-se desmotivados por que não têm mais um objetivo a curto prazo como tinham quando eram faixas coloridas. Além disso, seu professor pode ter fechado sua escola ou mudado para outra cidade. Como ele pode então encontrar ânimo para continuar treinando? Precisará treinar sozinho? Se tornará ele mesmo um professor? O que fazer. Estas são perguntas que precisam ser respondidas para que o jovem faixa preta não abandone os caminhos do Karate e possa continuar sua jornada até o fim de sua vida.
A este respeito, acredito que minha experiência pode ser útil para ajudar aqueles que enfrentam ou enfrentarão um dia tal dificuldade. Tive momentos em minha carreira no Karate em que fui extremamente ativo. Treinava praticamente todos os dias, participava de competições, fazia cursos de aperfeiçoamento, exercia funções de arbitragem, dava aulas, etc. Por outro lado, já tive momentos, como agora, de pouca atividade relacionada à arte, mas jamais abandonei ou abandonarei o Karate. O faixa preta deve compreender isto muito bem, do contrário acabará abandonando e esquecendo tudo aquilo que aprendeu com tanta dificuldade. Às vezes ele estará sozinho, mas precisa continuar sua jornada. Não se pode parar na metade do caminho, mas às vezes é necessário retardar a marcha, para acelerar de novo um pouco mais adiante.
Quanto a tornar-se um professor, esta pode ser uma ótima saída para o faixa preta que deseja manter-se na ativa. No entanto, a decisão de tornar-se professor é muito importante e deve ser feita com cuidado. Não se deve decidir tornar-se um professor de Karate pelos motivos errados. Por exemplo, se o faixa preta pensa que o "ofício" de professor lhe trará riqueza e glória, é bem provável que fique frustrado. De fato, este é um caminho que reserva muito mais desafios e dissabores do que ganhos materiais ou o recebimento de honras. De fato, o professor poderá enfrentar a falta de recursos financeiros, a falta de reconhecimento por parte da sociedade e até por parte de seus alunos, entre outras dificuldades.
Também não se deve tornar-se professor apenas para não abandonar o Karate. Existem outras formas de manter-se ativo que podem servir de opção para os que não se sentem atraídos a ensinar. Mas para os que decidirem se dedicar a esta atividade, é preciso que tenham um objetivo maior em mente. Eu penso da seguinte forma: o que recebi de meus mestres e professores devo transmitir a outros para que estes transmitam às futuras gerações. Se pensarmos desta forma, saberemos se temos ou não o "chamado" ou a vocação para ser professores. Se você for capaz de se dedicar a esta atividade apenas com o objetivo de transmitir a outros o que foi legado a você pelos seus mestres, então você está apto a se tornar um professor. Não estou dizendo que você terá que trabalhar de graça ou oferecer aulas gratuitas á comunidade (embora este seja um gesto muito nobre que alguns professores praticam), mas que você deverá ter o ensino do Karate como seu principal objetivo, e deverá pensar nos demais como consequência de seu trabalho.
De qualquer forma, não pretendo desistimular aqueles que desejam ser professores, mesmo porque carecemos de bons professores de Karate que possam continuar perpetuando nossa arte. O meu objetivo é mostrar que nem tudo são glórias neste trabalho. Mas, como professor, posso garantir que este é um ofício muito gratificante. Só o professor tem a honra de ver seus alunos partirem do zero e tornarem-se grandes karatecas. Ele pode vê-los progredir e se tornarem fortes. Além disso, as amizades que vão sendo construídas pelo caminho são algo incomparável com qualquer outro prêmio que se poderia receber. O professor também conquista o respeito e a gratidão de seus alunos, sobretudo por parte daqueles que alcançarem uma melhor compreensão do caminho (Do). Tais reconhecimentos são pra toda a vida, e seu valor é inestimável.
CAPÍTULO V
COMPETIÇÕES: Significado e Importância
As competições de Karate são uma oportunidade de socialização e de aprendizado para o aluno. Neste eventos, o karateca pode vivenciar de forma prática aquilo que aprendeu nos treinamentos do Dojo. Desta forma, o aluno poderá verificar seu progresso e constatar na prática o quanto ele desenvolveu suas habilidades ou o quanto ele precisará melhorar caso note alguma deficiência no decorrer da competição. Além disso, a existência de regras que limitam a intensidade do contato dos golpes, a disciplina exigida durante a competição e o estrito cerimonial a ser seguido durante o evento, ajudam o aluno a desenvolver o caráter e o respeito à regras e à hierarquia.
As competições surgiram da idéia de popularizar o Karate através daquilo que o ser humano mais tem de natural, o desejo de confrontar-se com outros e de superar o oponente a sí próprio. Por ser um esporte regido por regras e com a exigência de uma excelente conduta moral e ética - tanto durante quanto antes e depois do evento - o Karate de competição fornece um ambiente saudável de confronto entre atletas e de auto-superação. Ainda, as competições criam uma situação única que serve de pretexto para a reunião de várias escolas de Karate e seus praticantes, provenientes de diferentes cidades, estados ou países, dependendo da invergadura do certame. De qualquer forma, o objetivo maior das competições é reunir os praticantes de Karate de uma determinada região, país ou de todo o mundo de forma a manter vivo o esporte, além de incentivar a sua prática pelas futuras gerações.
As federações de cada estado ou país, normalmente, são as responsáveis pelo controle e organização das competições. Para competir, basta que o aluno seja inscrito no evento por seu professor, e compareça na data, local e horário estabelecidos para a realização dos combates. Naturalmente, para que isto possa ocorrer, tanto aluno como professor devem ser registrados junto á federação ou órgão competente.
As disputas, em geral, são organizadas por idade, faixa e peso dos competidores. Existem dois tipos principais de competição no Karate: Shiai Kumite (luta por pontos) e Kata (Luta Imaginária).
No Shiai Kumite, dois atletas se enfrentam em uma luta regida por regras. As regras prevêm um conjunto de comportamentos permitidos ou proibidos que englobam vários pontos como intensidade do contato, técnicas permitidas e proibidas, áreas pontuáveis do corpo do oponente, penalidades, código de conduta, etc. Os atletas se enfrentam num quadrado de mais ou menos 64 metros quadrados e tentam marcar pontos atingindo o adversário nas áreas pontuáveis do corpo com técncas permitidas. Existe diferença de pontuação para cada tipo de técnica e para cada área onde o atleta é atingido. Pelas regras atuais da WKF (World Karate Federation) o tempo médio de luta é de 3 minutos e vence o atleta que obter 8 pontos de vantagem sobre seu oponente ou que, passado o tempo regulamentar, tiver obtido mais pontos que seu adversário. Havendo empate, ocorre a prorrogação (ensho-sen) onde os alunos se enfrentam em estilo de "morte súbita", ou seja, vence quem fizer o primeiro ponto. Persistindo o empate, os árbitros decidirão quem é o vencedor com base em critérios como combatividade, conduta exemplar durante o evento, respeito às regras, etc.
Nas competições de Kata cada atleta se apresenta individualmente ou em equipes. Nas apresentações individuais, 2 atletas se enfrentam por vez. O primeiro (aka) apresenta o Kata e então retira-se, aguardando que o segundo atleta (shiro) se apresente. Após terminarem suas apresentações, ambos são chamados pelos árbitros até o centro do Koto onde, após a autorização do árbitro central, todos os árbitros erguem suas bandeiras (vermelha ou azul) ao mesmo tempo. Vence o atleta que obtiver mais votos favoráveis a ele (aka = faixa vermelha/ shiro = faixa azul). Assim vão seguindo-se as disputas até que se obtenha os 4 atletas finalistas que disputarão os 3 primeiros lugares.
Nas disputas de Kata por equipes, 3 ou 5 atletas se apresentam simultaneamente, devendo procurar executar todos os movimentos de forma síncrona e com o máximo de semelhança possível entre si. De igual forma, as equipes se apresentam uma a uma e recebem o resultado através de bandeiras, como ocorre nas disputas individuais. Existem ainda disputas de bunkai, onde as aplicações dos movimentos dos katas devem ser ilustradas através de uma "dramatização" dos golpes. Algumas destas apresentações são muito criativas e alcançam incomparável beleza e perfeição técnica.
Apesar de ser um esporte massivamente praticado em todo o mundo, o Karate ainda não é considerado um esporte olímpico. Acredita-se que este fato seja motivado, tão somente, por questões políticas, uma vez que o esporte já se encontra organizado e possui uma federação mundial com regras próprias, é praticado mundialmente, tem seus eventos mundiais realizados periodicamente e já é presença garantida nos Jogos Panamericanos. Esperamos que num futuro próximo, as barreiras políticas ou seja lá quais forem sejam transpostas para que o Karate possa ocupar seu merecido lugar nos jogos olímpicos.
Apesar da importância das competições e de seu papel socializador e mantenedor da chama que mantêm vivo o Karate, devemos sempre nos lembrar que elas não são, nem devem ser, o objetivo maior e/ou final do aluno/professor. Ao contrário, as competições devem ser encaradas como um trampolim, uma ponte que vai ajudar o praticante de Karate a alcançar seus maiores objetivos na prática de sua arte. Em outras palavras, um aluno que treina exclusivamente para competições, poderá sentir-se frustrado caso seus objetivos não se cumpram, ou mesmo que estes sejam alcançados, tal aluno poderá frustrar por uma série de razões como o seu envelhecimento e cessação da idade produtiva neste tipo de evento. De fato, muito embora alguns atletas continuem competindo até uma idade relativamente avançada, a maioria encerra sua participação em competições depois de uma certa idade. Se competir for o principal ou único objetivo de um atleta que se vê forçado a encerrar suas atividades como competidor, este pode acabar abandonando a prática do Karate, uma vez que ele não construiu um sentido maior para a prática do mesmo.
Alguns mestres, no passado, eram contra as competições por acreditar que os objetivos da prática do Karate Do eram imcompatíveis com tais eventos. Hoje em dia, no entanto, a maioria dos mestres já encara estes eventos de forma positiva, embora sempre façam questão de frisar que estes não, nem jamais serão, o objetivo principal da prática do Karate.
Em suma, as competições, quando encaradas da forma correta, podem e devem fazer parte da vida do aluno. Elas podem ajudá-lo a superar-se a si próprio além de servirem de incentivo para que ele continue sempre buscando melhorar mais e mais nos caminhos do Karate. No entanto, tais eventos não devem ser vistos como o principal objetivo do atleta, uma vez que, caso sejam vistos desta forma, podem trazer dor e frustração ao aluno, que pode acabar se desviando do verdadeiro Do.
CAPÍTULO VI
O KARATECA: uma academia viva
As características únicas do Karate fazem de seus praticantes verdadeiras academias vivas. De fato, um karateca realiza exercícios que trabalham os mais diversos músculos de seu corpo, sem que seja necessário recorrer a apetrechos e aparelhos de ginástica ou, sequer, ir até uma academia para treinar. Com efeito, apenas praticando os exercícios de kihon e kata, em sua própria casa ou em qualquer lugar onde haja um mínimo de espaço, o karateca consegue desenvolver força muscular igual ou superior àquela conseguida através do uso de aparelhos de musculação (não se confunda aqui força muscular com ganho de massa corporal). Além disso, o karateca desenvolve flexibilidade, agilidade, ganha reflexos, melhora a coordenação motora, desenvolve sua capacidade cardio-respiratória e melhora sua capacidade de concentração. E o karateca consegue tudo isto apenas com a prática de sua arte marcial, sem precisar de nenhum aparelho específico para seu treinamento, nem de recorrer a outras modalidades esportivas. Assim, o Karate possui um diferencial extremamente significativo em relação a outras atividades físicas, o que faz dele uma atividade nobre se comparada com outros esportes.
A academia viva em ação
Ao praticar sua arte, o karateca põe em ação sua academia, que é o seu próprio corpo. Ele inicia seu treinamento com um aquecimento, no qual, após fazer exercícios que induzem os músculos a se relaxarem, ele se alonga e se relaxa a fim de se preparar para o treinamento de Karate propriamente dito.
Uma vez aquecido e alongado, o praticante passa ao treinamento de kihon onde pode fortalecer os músculos dos membros superiores e inferiores. Conseqüentemente, fortalecerá também os músculos peitorais, abdominais e umbrais. Além de fortalecer os músculos, estará automaticamente desenvolvendo sua capacidade aeróbica e sua resistência muscular (treino de bases).
Porém, é no treinamento de kata que o praticante de karate encontrará a mais vasta gama de possibilidades de treinamento e desenvolvimento físico. Nesta parte do treinamento, a academia do atleta se torna praticamente ilimitada. De fato, o kata permite que o esportista se movimente em todas as direções, trabalhe os membros superiores e inferiores, trabalhe os músculos do pescoço e até mesmo os olhos têm a oportunidade de se exercitar. O atleta ainda trabalha os movimentos das articulações das mãos e dos pés, dos joelhos, cotovelos e as articulações dos dedos.
Além disso, Porque precisa se esquecer de tudo em volta a fim de executar o kata com exatidão, o karateca desenvolve sua capacidade de concentração consideravelmente. Assim, ao realizar outras atividades do dia-dia, o atleta tenderá a demonstrar maior concentração e atenção do que a maioria das pessoas, já que, ao manter o foco somente na realização dos katas, o karateca força seu cérebro a desenvolver-se, tornando-se mais apto para a realização de tarefas simples ou complexas. A prática do kata também melhora (diminui) o tempo necessário para que o indivíduo reaja a uma situação inesperada (reflexos). Outro ponto importante de ser lembrado, é que a prática do kata é feita com kime, ou seja, requer-se do corpo o máximo de concentração e explosão de força. Desta forma, o karateca vai se fortalecendo pouco a pouco, até que se torne um indivíduo forte e saudável, mais resistente a doenças e infecções e sem aquelas incômodas dores musculares, comuns nas pessoas sedentárias.
Ao finalizar sua série de treinamentos, já bastante satisfeito consigo mesmo, o atleta poderá concluir o treino com uma série de exercícios de alongamento e relaxamento que o ajudarão a diminuir a possibilidade de sentir quaisquer dores decorrentes do esforço muscular praticado durante o exercício.
Para uma série completa como a referida acima, seria necessário mais ou menos 1 hora. No entanto, caso não disponha de todo este tempo, o karateca poderá criar uma série mais curta, que esteja dentro de sua possibilidade. Por exemplo, o atleta pode treinar durante 45 ou 30 minutos, diariamente ou 3 vezes por semana, e ainda assim colher os benefícios da prática do Karate. Mesmo uma série de 15 minutos diários já seria melhor do que o sedentarismo completo, pois o mais importante é manter-se em atividade constante.
Finalmente, gostaria de esclarecer que, ao descrever o karateca como academia viva, tenho em mente um atleta avançado, que já dominou todas as técnicas e katas, que já sabe se aquecer e se alongar sozinho, e que, portanto, já é capaz de treinar sem a necessidade de acompanhamento por parte de um professor. O atleta que tenho em mente, geralmente é faixa preta ou atleta com muitos anos de experiência no Karate. Assim, tal atleta é capaz de treinar sozinho, perfeitamente, sem que isto o prejudique. Não aconselho, portanto, que atletas pouco experientes ou principiantes tentem praticar exclusivamente sozinhos, pois poderão incorrer em erros que não serão devidamente corrigidos por um professor. Nada os impede, no entanto, de combinarem seus treinos individuais com os treinos regulares em seu dojo sob a supervisão de seu professor ou mestre. De qualquer forma, poucos são os esportes que dão ao atleta a possibilidade de, já no princípio, praticar sozinho aquilo que aprendeu em sua academia ou clube. O Karate é uma destas raras modalidades.
CAPÍTULO VII
KATA: Batalha Contra Inimigos reais e imaginários
Devido ao fato de o kata ser um dos fundamentos mais importantes do karate, dedicarei este capítulo exclusivamente à sua discussão, lançando um olhar em profundidade sobre este exercício, capaz de unir corpo, mente e espírito na busca de um só objetivo.
Os antigos mestres costumavam chamar o kata de "batalha imaginária". De fato, apesar da beleza que pode ser produzida em sua execução, seus objetivos e segredos vão muito além da mera beleza visual. Com efeito, durante a execução destes exercícios, o praticante deve imaginar-se em uma luta contra diversos adversários, que ele destrói ou tira de combate ao executar as técnicas de ataque e defesa que formam o kata. Estes são seu inimigos imaginários. No entanto, eu irei além do que simplesmente classificar o kata como uma batalha imaginária, uma vez que existem inimigos bem reias que devem ser enfrentados durante sua prática. Ao executar um kata com verdadeira dedicação, o karateca trava uma batalha contra seus piores inimigos, e só sairá vencedor, se conseguir derrotá-los. Você pode estar se perguntando a quais inimigos eu estou me referindo, uma vez que o kata é um exercício que se pratica sozinho, isto é, sem adversários reais. Ao falar de inimigos, refiro-me aos inimigos interiores, aqueles que tentam fazer com que o atleta fracasse em seu objetivo de executar um kata perfeito. Por exemplo: desânimo, cansaço, medo, insegurança, raiva, culpa, incerteza, fome, sede, dor, paixões, preocupações, orgulho, tensão, nervosismo, vaidade, distração, etc. Todos estes inimigos trabalham contra o karateca desde o momento em que inicia a execução do kata até o momento final. E para vencê-los, o praticante precisa contar com o máximo de sua concentração e determinação.
Para ser considerado bom, um kata deve apresentar diversos elementos: Kime, Beleza, Agilidade, Leveza, Zanchin, Shakugan, Técnica, Precisão, etc. Em outras palavras, para quem assiste a execução, o kata deve parecer algo extremamente fácil de fazer, e ao mesmo tempo cheio de beleza e plasticidade. É mais ou menos como assistir a uma apresentação de um artista patinador. Todos sabem que seus movimentos são extremamente difíceis, e que pra atingir um certo grau de perfeição foram necessários anos de treino. Mas vendo-o executar sua seqüência com tamanha leveza e exatidão, girando solto no ar feito um pássaro e aterrissando suavemente após sua pirueta, temos a impressão de que conseguiríamos fazer o mesmo com semelhante facilidade. Porém, nossa razão nos lembra que somos incapazes de tal proeza, a menos que dedicássemos uma vida inteira à prática daquela arte. Semelhantemente, para executar um kata com beleza e eficiência, dando a impressão de que o faz com extrema facilidade, o karateca pode levar anos e anos praticando. Ainda assim, os inimigos interiores do atleta continuarão a ameaçá-lo durante toda a sua vida. A medida em que o praticante consegue controlar e manter estes inimigos em silêncio, determinam a qualidade da execução de seu kata.
Assim que inicia a execução do kata, o atleta enfrenta o desânimo, que procura fazer com que ele o faça de qualquer maneira, sem kime, sem concentração. O lutador então se esforça e se concentra, procurando executar cada movimento com o máximo de força e explosão. Mas logo vem a dor, e procura fazer com que o karateca relaxe e descuide das bases, elevando sua altura a fim de aliviar a sensação de desconforto. Se for fraco, o lutador terá perderá a batalha, pois se renderá à dor. Se for forte, procurará ignorar a dor e manterá as bases no nível em que iniciou a execução. De repente, o guerreiro percebe que está cercado de olhares admirados e curiosos e se envaidece. Surge o momento perfeito para que a vaidade o derrube de sua fortaleza, fazendo com que perca a concentração, o que afeta toda a execução do kata podendo, inclusive, fazer com que esqueça a seqüência dos movimentos e tenha que interromper o kata, perdendo assim a batalha. Mas sendo guerreiro experiente, o karateca expulsa de sua mente as vaidades e concentra-se novamente na sua luta. Esquece-se de todos em volta. Pensa somente em seu objetivo: vencer seus inimigos. E assim, o lutador vai vencendo um a um seus inimigos interiores até finalmente concluir o kata, voltando á posição original de humildade e, finalmente, ao estado de paz interior.
Pode parecer incrível que a simples execução de uma seqüência de movimentos encapsule tanto significado, mas é realmente isto que ocorre na prática do kata, pois esta vai muito além da mera execução de movimentos corporais técnicas de ataque e defesa. De fato, o kata é um verdadeiro arsenal de guerra contra o comodismo e o conformismo humano com tudo aquilo que é mais fácil e confortável. É a busca do aperfeiçoamento pessoal através do esforço constante para se alcançar o inalcançável. A busca de uma perfeição que continuamos buscando, mesmo sabendo-a impossível de conquistar. À medida que luta contra seus inimigos interiores, o karateca vai se fortalecendo. Vai se tornando menos suscetível aos seus ataques, que vão perdendo as forças, como quando nos tornamos imunes a certas doenças. De tanto lutar contra seus adversários interiores e derrotá-los, o lutador vai se imunizando contra suas investidas. Com o passar do tempo, passa a não sentir desânimo ao executar o kata. Já não sente mais dor e consegue manter as bases no nível apropriado de altura do início ao fim da seqüência. Seu nível de concentração aumenta consideravelmente, possibilitando a ele preocupar-se apenas com sua batalha e esquecer-se de seus problemas, temores, dúvidas, fraquezas, etc. Mas o guerreiro se manterá alerta, sabendo que seus inimigos estarão sempre ali, prontos pra atacar ao menor sinal de fraqueza, e ele sabe que deve estar preparado para derrotá-los novamente.
Em resumo, ao executar um kata, por mais simples que ele seja, não o faça como se estivesse simplesmente executando uma seqüência de movimentos. Primeiro, porque são técnicas de ataque e defesa, segundo porque cada técnica, para ser efetiva, necessita da participação de todos os seus músculos e mente trabalhando em conjunto. Lembre-se sempre que a seqüência que você está executando simula uma luta entre você e vários adversários. São adversários imaginários, que devem ser derrotados um a um à medida que você executa o kata. Além destes adversários imaginários, você tem adversários reais que estão dentro de você, dentro de sua mente! Você precisa derrotá-los, ou seu kata não terá valor algum. Você pode executar o kata sem kime para aprender a seqüência correta dos movimentos, mas tal execução serve somente para este objetivo. Não trará nenhum benefício para sua saúde ou para o fortalecimento de seus músculos. Não desenvolverá sua concentração, não te ajudará a controlar o medo da dor. Nunca faça o kata preocupado com quem está te assistindo, pois assim seu kata será prejudicado. Você perderá a concentração e não conseguirá uma execução próxima da perfeição. Procure fazer o kata apenas pra si mesmo. Faça o melhor que puder pra si mesmo. Seja honesto consigo mesmo, e quem te assistir ficará maravilhado com sua execução. Como diz a sabedoria: vencer a si mesmo é a maior das vitórias!
CAPÍTULO VIII
Transformando Vidas Através do Karatê
Como o leitor pôde notar pelo título do livro, o tema principal do mesmo é a transformação que a prática do karatê pode produzir na vida do atleta. Também deixei bem claro, na introdução, que não pretendo fazer do karate uma religião ou uma filosofia, mesmo porque não acredito que este se trate nem de uma coisa nem de outra. Minha ênfase é no karate como prática esportiva e marcial e nas mudanças concretas que ele traz à vida daqueles que o praticam com seriedade e dedicação.
Quando jovem, morava em uma cidade pequena e não via grandes perspectivas de crescimento pessoal. Ao iniciar a prática do karate, porém, um novo mundo de possibilidades se abriu diante dos meus olhos, mudando toda uma trajetória de vida, que poderia ter sido de fracasso total, em pleno sucesso profissional e educacional.
De fato, a prática do karate veio mudar para melhor vários aspectos da minha vida, o quais tentarei descrever detalhadamente neste capítulo.
VIII.1 Socialização
Tendo crescido em meio à pobreza e a discriminação social, além de mais tarde ver este núcleo familiar ser desmanchado devido à separação de meus pais, tinha sérias dificuldades para me socializar com colegas ou amigos. Era muito fechado e procurava isolar-me das outras pessoas, como uma forma de me proteger e me preservar do contato social. Não é necessário dizer que isto gerava em mim um imenso vazio e tristeza, pois me sentia inferior ao ver que meus colegas e amigos pareciam se enturmar com grande facilidade, enquanto eu, quase sempre, permanecia isolado das rodas de conversas ou brincadeiras promovidas entre eles. Exceto por alguns momentos em que eu fazia “palhaçadas” para levar os outros ao riso, eram raras as ocasiões em que era convidado para estar junto a eles. O fato é que poucas pessoas gostam de ter junto de si alguém que é excessivamente fechado e agressivo. Alguém que se ofende com excessiva facilidade e reage de forma defensiva ao mínimo chiste, é quase sempre rejeitado ou colocado à parte em qualquer grupo. Realmente, por ter crescido em um lar onde as brigas e discussões eram constantes, onde as surras e espancamentos eram fatos corriqueiros, aprendi a me defender e reagir ao menor sinal de ameaça. Assim, eu reagia sempre com palavras e às vezes chegava ao extremo de reagir fisicamente, partindo, literalmente, para o braço. Por outro lado, eu era um adolescente extremamente tímido e infeliz que, por ser constantemente maltratado, sentia-me injustiçado e cultivava a auto-piedade. Desta forma, era constantemente ridicularizado pelos colegas que, percebendo meus sentimentos de inferioridade, aproveitavam-se destes para se divertir às minhas custas. Minha raiva e meu esbravejar apenas reforçava a atitude zombeteira deles excitava-os a prosseguir com as chacotas e piadas em relação à cor de minha pele, minha aparência, minha origem social, dentre outras formas de preconceito e discriminação.
Através da prática do karate, tive a oportunidade de me relacionar com diversos tipos de pessoas. Desenvolvi verdadeiros laços de amizades e pude me socializar satisfatoriamente com várias pessoas. O clima de respeito no qual o karate está pautado, ajudou-me a estabelecer melhores relacionamentos, a conter minha agressividade e a ouvir antes de responder ou antes de me “defender”.
As brincadeiras e “zoeiras” comuns dos momentos de descontração auxiliaram-me a tornar-me mais tolerante e a aceitar-me a mim mesmo da maneira que sou, já que ali eu era aceito e respeitado por todos. Também pude perceber que não havia necessidade de me defender de toda e qualquer suposta agressão à minha pessoa.
Evidentemente, eu não tinha consciência de todos estes detalhes a meu respeito naquela época, e nem percebi a mudança que estava ocorrendo em meu caráter. As mudanças ocorreram de forma lenta e silenciosa, sem causar dor excessiva e sem gerar oposição de minha parte, o que, em minha opinião, constitui uma grande vantagem do karate. Quero dizer, se uma pessoa é corrigida e repreendida abertamente ela pode se revoltar e se endurecer ainda mais, piorando a sua situação. No karate isto não acontece, pois a disciplina e o respeito são aceitos como elementos imprescindíveis ao aprendizado da arte marcial, o que é desejado pelo aluno. Assim, o aluno se submete à rígida disciplina e aprende a respeitar normas de convivência, porque deseja aprender a lutar karate.
Assim, passei a me relacionar melhor com todos os meus colegas, dentro e fora do dojo. As piadas e chistes já não me ofendiam tão facilmente e passei a ter um número maior de amizades significativas. Também aprendi a controlar a raiva e a agressividade, deixando de reagir com facilidade a agressões reais ou imaginárias. Através do relacionamento constante com o mestre e colegas de treino, desenvolvi maior capacidade de respeitar e de ser respeitado.
Outro ponto interessante deste caráter social do karate em minha vida é o fato de trabalhar na academia. Como eu tinha dificuldades para pagar as mensalidades, embora economizasse o máximo possível para poder fazê-lo, e como eu nunca faltasse aos treinos, meu mestre permitiu-me trabalhar no dojo como forma de pagar minhas mensalidades. Fiquei encarregado da limpeza da academia antes e após os treinos, além de atender a recepção da escola e realizar pequenos trabalhos, quando solicitado. Assim, além de aprender a arte marcial, tive também a oportunidade de desenvolver um ofício. Mais tarde, meu trabalho na academia passou a ser remunerado, o que me ajudou a continuar meus estudos da arte marcial, além de ajudar no meu sustento diário. A conquista deste trabalho me trouxe dignidade e elevou minha auto-estima. Foi a primeira escola e meu primeiro emprego. Para um jovem de minha origem social, a conquista de um ordenado, por mínimo que fosse, representou uma grande vitória. Por outro lado, trabalhar na academia torna-se um exercício de humildade, já que o aluno passa a servir os outros colegas, de maneira indireta. Em outras palavras, o aluno bolsista trabalha para que os alunos pagantes tenham uma escola limpa e agradável para treinar. Assim, ambos são beneficiados: o alunos pagante por encontrar um dojo limpo e organizado, e o aluno bolsista, por poder praticar o karate de forma ininterrupta. Os anos que passei como aluno assistente no dojo de meus primeiros mestres (Sensei Matias Alberto Olguim e seu filho Julio Guilherme Olguim) foram extremamente úteis para meu amadurecimento pessoal e profissional. Eventualmente, tive que aprender a caminhar com meus próprios pés, mas o aprendizado obtido ali foi imprescindível para que eu conseguisse vencer todos os obstáculos que surgiriam em meu caminho nos anos futuros.
VIII.2 – Saúde
Desde minha infância, sempre tive uma saúde frágil. Ainda bem criança passei por 2 crises de pneumonia. Tinha pouca ou nenhuma resistência física, era excessivamente magro e fraco. Minha capacidade cardio-respiratória era muito débil, e eu não conseguia correr pouco mais que alguns metros. Não tinha vocação para os esportes, e por isso, era sempre colocado em segundo plano. Numa partida de futebol de rua, por exemplo, era sempre o último a ser escolhido para compor o time, ou ficava como goleiro. Embora isto se devesse em grande parte à minha falta de talento nato para o futebol, pode-se dizer que minha saúde instável colaborava para que eu ficasse excluído das brincadeiras com os colegas. Já adolescente fui acometido de uma terceira crise de pneumonia que, desta vez, quase tirou-me a vida. Ao receber alta do hospital, estava terrivelmente magro e com aparência pálida. Minha recuperação foi lenta e dolorosa. As seqüelas deixadas pela doença pareciam não ter mais remédio. Sentia-me fraco e sem ânimo para as atividades diárias e estudos. Foi quando o karate surgiu em minha vida.
A prática regular e constante do karate aos poucos foi transformando minha saúde. Em cerca de um ano de prática da modalidade, já me sentia muito mais bem disposto e revigorado. Meus músculos se fortaleceram sobremaneira e ganhei uma flexibilidade extraordinária. Meus reflexos melhoraram muito e eu já não me cansava com tanta facilidade. Cerca de dois anos após iniciar os treinos, participei de uma maratona de rua na qual conquistei uma medalha após completar um percurso de 10.000 metros. Embora não tenha chegado em primeiro lugar, o feito representou um avanço muito grande para mim, pois foi uma prova prática de que minha saúde estava se desenvolvendo. Desde então, após terem se passado mais de 20 anos, nunca mais precisei ser internado por motivos de doença. A não ser para ajudar alguém ou em algumas raras ocasiões para receber atendimento de urgência em caso de acidentes, nunca mais precisei entrar em um hospital.
Embora eu tenha hoje 37 anos completos, muitos se assustam quando revelo minha idade. Na verdade, minha aparência física é de uma pessoa bem mais jovem. Recentemente uma aluna disse acreditar que eu tinha 28 anos de idade, e uma outra disse que devia ter no máximo 32. De fato, isto não é exclusividade minha. Todos os meus colegas praticantes de karate, que iniciaram a prática do esporte ainda jovens, aparentam ter idade bastante inferior à sua idade real. Meu mestre e amigo, Neweton Adas, por exemplo, tem aproximadamente a mesma idade que eu, e no entanto aparenta não ter mais do que 30 anos de idade. Este é um dos benefícios do karate que eu mais admiro e enfatizo. W., um amigo karateca, aos 42 anos de idade ainda participa de competições e exibe uma flexibilidade invejável. Sua aparência física também desmente os seus registros de nascimento. Chega muitas vezes a derrotar atletas mais jovens em disputas de kumite. Estes são apenas alguns exemplos dentre os milhares de karatecas ao redor do mundo que desfrutam dos benefícios diretos da prática do karate à saúde. Entrevistei e acompanhei vários praticantes da arte marcial, relacionando sua idade real ou cronológica com a idade aparente dos mesmos, de acordo com a opinião de observadores externos. Fiquei espantado com a discrepância percebida entre estas idades.
Um karateca amigo meu que estava afastado dos treinos por motivo de trabalho, estava se queixando de sentir fortes dores nas costas e nos ombros recentemente. Ele já havia feito aplicações tópicas de analgésicos, ingerido comprimidos, enfim, já havia tentado de tudo para controlar sua dor sem obter resultados satisfatórios. Ele então resolveu retomar seus treinos de karate e com menos de uma semana de treinamento suas dores haviam desaparecido por completo. O melhor de tudo é que ele não precisou gastar nem um centavo com medicamentos ou médicos. Tudo que ele precisou foi colocar em ação sua academia viva e logo sentiu-se restabelecido de sua saúde.
Os benefícios do karate para a saúde já foram cientificamente comprovados. De acordo com o professor José Antônio Viana, Dr. em Educação Física pela UGF e professor da Universidade Estácio de Sá, “a prática controlada do karate direcionada a educação, ao lazer, ao fitness e à qualidade de vida, pode favorecer a melhoria das grandes funções, a resistência muscoloesquelética, a amplitude articular e a coordenação motora geral e específica, fazendo com que o praticante torne-se mais ativo, perspicaz, forte e resistente nas atividades cotidianas.” Segundo Viana, “estudos têm demonstrado que a prática do karate está relacionada a melhorias nos sistemas cardiovascular, melhoria da força, resistência, potência e flexibilidade, mudança na composição corporal e perda de peso.” O autor afirma que a prática do karate tem sido relatada como um componente auxiliar na modificação e na adoção de um estilo de vida mais ativo e saudável, combatendo os diversos males associados à hipocinesia, próprios da vida contemporânea” (Viana, 2008). Vemos que tais estudos encontram se em conformidade com o que venho relatando neste livro a respeito do karate e seus benefícios para a saúde do atleta.
Diante de tantas evidências de que a prática constante do karate promove a saúde e o bem estar físico e mental, só me resta, uma vez mais, encorajar a todos aqueles que buscam saúde e bem estar a dedicarem-se a prática deste esporte. Os benefícios se fazem sentir rapidamente, e são duradouros. Mesmo que seja forçado a se afastar dos treinos por algum tempo, o praticante ainda colherá os benefícios do estilo de vida saudável que adotou enquanto treinava.
Última atualização ( Ter, 28 de Abril de 2009 )
9 Comments:
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